terça-feira, 12 de junho de 2012

Um par de olhos


Ela se levantou naquele dia decidida a conquistar o tal rapaz que vestia sempre branco, mas lhe tirava toda a paz. Ele era moreno alto, quase forte, e nesse ponto da história ela já sabia que ele também tinha uma voz encantadora, e como as vozes a ganhavam.
Ele morava longe, e estava sempre distante mesmo quando estava ao lado dela. Ele morava em outra cidade e com certeza vinha de outro planeta, não poderia ser deste, era quase perfeito, do tipo tão parecido com ela que causava medo, e a deixava cada vez mais apaixonada.
Pensando numa maneira de se fazer notar por ele, de fora para fora, afinal não haveria como se mostrar por dentro assim de cara, ele se assustaria e nunca mais voltaria como fizeram os outros. Era necessária outra estratégia, e de fora ela não tinha nada de interessante para mostrar, mas gostava muito dos seus olhos. Grandes, pretos e brilhantes. Um par de olhos que no momento era seu ponto forte, neles ela guardava um pouco do seu eu de dentro. Para ela todo mundo tinha um lado bonito e o dela com certeza era o dentro. Estava decidido, os olhos seriam os responsáveis por chamar atenção do escolhido.
 “Ah, esse moço, tomara que me olhe nos olhos.” Passou a repetir todos os dias era como uma oração. Também fazia parte do ritual encarar os próprios olhos no espelho num narcisismo um tanto perigoso. Não fosse seu bom senso, teria se amado tanto que se perderia no breu daquele olhar, tão seu que já parecia mais que perfeito, não no espelho, mas no rosto. Belíssimo apesar de não superar a beleza que seria ter aquele moço.
Muitos meses se passaram desde que a sorte fora lançada e a moça teve enfim suas oportunidades. Como não sabia ser de outra maneira, ao encontrar- se com o rapaz, foi irônica e um pouco distante, além da frieza de costume, mas gostou muito do que soube e ainda mais do que não pode ver. Foi embora esperando ansiosamente pelo próximo encontro com a tempestade em forma de moço vestido de paz. Daquelas horas em diante ela se deu conta de que ele era um mistério e alcançava profundamente seu jeito de achar o mundo. Era um bom leitor de olhares, parecia estar sempre na mesma frequência que ela. Depois de algum tempo juntos, ela não revelava mais o seu “concordo”, ou “eu penso a mesma coisa”, pareceria falsidade, e aquilo era tão verdadeiro quanto possível. Quase mágico, e pra não desfazer o encanto às vezes ela falava, outras só sorria e pensava “é exatamente o que eu ia dizer, é assim mesmo que eu penso”. Tudo era tão simples que parecia inexplicável, e ainda bem que ninguém pediu explicações. Encontrar a paz foi seu tormento durante muito tempo. Não se pode ser feliz sem ter medo. Não foi diferente com ela, que não parava de se perguntar: - Por que ele é assim tão igual a mim?
As perguntas surgiam também para ele que àquela altura enxergava muito mais que um par de olhos devoradores e fascinantes, é verdade, mas uma mulher que era amiúde o seu sorriso, a resposta antes do questionamento (ela adivinhava seu pensamento, quase sempre), a continuação do raciocínio. Seu prazer, suas noites mal dormidas, suas melhores noites de sono. Companheira e companhia, ela era forte e sábia. Um achado de ter sempre por perto.
No fim das contas eles descobriram que juntos podiam ser as noites vermelhas e intensas de sábado; as tardes cheias de ócio e com brisa que acaricia o rosto, de domingo; podiam ser todos os dias. Juntos eles podiam ser tudo. A inquietude e a paz. O riso e o choro. O incômodo e o conforto. A mpb e o rock and roll. Juntos eles podiam ser, e de fato eram, um par. Muito mais que o par de olhos tido como o primeiro passo  do caminho, mas um par no baile da vida, que é dança de todo mundo, e que não é dança que se dança só. 

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