quarta-feira, 27 de junho de 2012

Fim


Não dava pra fugir, mas também não dava pra encarar, então só vivi. E foi como tinha que ser... Algumas lágrimas muitas palavras e o silêncio (revelador como sempre). Deu pra ouvir os ponteiros do relógio, a saliva descendo pela garganta seca, deu pra ouvir o adeus, que ninguém disse. Tinha cheiro de medo e gosto de até nunca mais.
E aquele lugar ficou pequeno para o misto de dor, angústia, decepção e alívio que cada um carregava no peito a algum tempo. Ainda dá pra ver de longe que a porta está trancada, mas ninguém se lembrou de fechar às janelas e são por elas que vez ou outra escapa um pouco daquele amor. Mas não se disse que se tratava desse sentimento. Porque não foi preciso, e jamais será.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Chove


Por João Paulo Vieira

Quando era criança, as tempestades pareciam mais furiosas e mais frequentes. Pode ser só uma impressão, não sei. Mas desconfio. Sei que quando vinham aquelas chuvas fortes, com ventos barulhentos e aqueles raios e trovões de botar medo em  qualquer um, minha mãe mandava que a gente rezasse. Que rezássemos pra chuva passar. Rezássemos pra que ela não deixasse destruição, e que não fosse tão violenta, e que ninguém se machucasse. Mas era estranho ver a preocupação nos olhos da minha mãe. Era estranho porque a mãe, quando se é criança, é alguém que não tem medo. Pra minha mãe, tudo era possível. Mas ela tinha medo da chuva. E rezava.
Eu assistia paralisado àquele espetáculo. Rezava, mas não tinha muita consciência das palavras que saiam da minha boca. Porque a chuva me impressionava muito. Eu ficava imerso naquele barulho, naquela umidade, no barulho que vez ou outra me deixava em estado de nervos, na sensação de anoitecer enquanto ainda é dia. Eu não conseguia me concentrar na oração, apesar de repetir compulsivamente todas aquelas palavras que sabia de cor. A chuva era um mistério que enchia meu coração, não de medo. Mas de liberdade. E eu me sentia protegido por toda aquela força, diante da qual nada se podia fazer além de esperar e rezar. E talvez não fosse o medo que fizesse com que minha mãe rezasse. Talvez fosse justamente essa força que vem com a chuva. Esse poder de fazer com que todos se calem, o barulho que abafa todas as vozes.
Ainda me intriga a chuva. Acho que mais que nunca. Pra mim, grandes chuvas carregam grandes transformações. Eu nunca sou o mesmo depois de uma grande chuva. Porque quando chove muito lá fora, acaba sempre chovendo um pouquinho aqui dentro. Nunca fui capaz de vedar completamente as portas ou as janelas, nem mesmo de resolver os problemas de infiltração. Chove muito. E eu amo quando a chuva vem. Quando estou sozinho, e ela me faz companhia. Fico esperando ansioso, toda vez que o céu se cobre com aquelas nuvens negras. É que essas chuvas acabam sendo minhas mais sinceras orações. E chovem pra mim todas as lágrimas que eu ainda não sou capaz de chorar. 

sábado, 16 de junho de 2012

Viver sem tempos mortos

Por João Paulo Vieira


Há muita vida no caos. Muito mais do que parece, talvez muito mais do que deveria haver. O inóspito em nós mesmos, esse imenso luto sem explicação, esse despedaçamento interno do que nos há de mais íntimo, que talvez ainda não conhecêssemos e que só  o penar da perda é capaz de demonstrar. O caos é aquela sensação de perda do tempo e do espaço, quando você percebe que a dor tem muito pra te dizer, mas não consegue entender uma palavra.
Mas há vida no caos. E por isso é preciso vivê-lo, intensamente. Porque o período de reconstrução, não é nada além de uma oportunidade de renovação.  É a chance de repelir tudo aquilo que está morto em nós, tudo aquilo que já não faz mais sentido, mas que a comodidade de deixar como está impede de fazer algo a respeito. O caos é justamente sobre encarar a estranheza de nós mesmos, e nos leva a um estado de suspensão.  Porque às vezes pensamos demais, sentimos demais, e esse transbordamento de emoções leva a uma anestesia. É que sentir em demasia é não sentir.  E o total desprendimento do plausível, do provável, e do que é lógico se faz necessário. O caos precisa ser combatido com o caos. Entregar-se à essa estranha corrente que nos absorve, e esperar que dela venha o novo, o desconhecido. O caos é a última instância do estar, e a primeira do ser.
É preciso viver sem tempos mortos. É preciso entender, de uma vez por todas, que a vida não vai bem apenas porque não vai mal. Faz mal viver tão perto da morte, tão perto do cheiro forte que deixa a decepção. Viver sem tempos mortos. E começar a encarar o sofrimento nos olhos, com aquela garra que sempre se manifesta diante do medo do totalmente desconhecido. Fazer da vida uma necessidade de transformação, de superação. Porque nossa vida cabe a nós. Somos os únicos responsáveis por nossa história, condenados a uma tão nossa liberdade. É preciso viver sem tempos mortos. E não se engane, o caos é só um reflexo do que tem por dentro. É vontade de viver.

Um dia bom


Por João Paulo Vieira

Hoje quando pus os pés pra fora da cama percebi que havia algo diferente. Estava mais frio que o normal, mas não era só isso. Abri as janelas, pra deixar o ar circular e foi diferente. Eu sentia minhas mãos quentes, de um calor aconchegante, e de alguma forma aquele calor me percorria inteiro, e eu sentia algo estranho no peito. Mas eu estava bem. Que diabos será isso? Pensei. Não há dor de cabeça, nem ossos doendo, e eu ainda nem me lembrei de que já perdi a hora dos remédios. Devia haver alguma coisa errada.
Quando cheguei no escritório  concluí que havia realmente algo muito diferente. As pessoas sorriam. Sorriam muito, como se fosse feriado, ou como se o chefe não estivesse por ali no momento. E o pior, as pessoas sorriam conversando com o chefe. A moça que faz o café flertava com o cara da máquina de cópias. E havia duas mulheres se abraçando, mas não era aniversário de ninguém, não tinha ninguém morrendo, casando ou se separando. Não havia motivo pra abraço. Me irritei profundamente. Porque eu não conseguia entender a razão daquilo tudo. Um dia bom.
Coloquei minhas coisas no lugar e fui até a mesa do homenzinho dos Recursos Humanos. Porque ele ia saber me explicar o que estava acontecendo naquele lugar. Porque ele era velho e cético demais pra perder tempo com bobagens. Ao me aproximar, ele disse “Bom dia” e eu disse “Bom dia”. E nós conversamos. Cordialmente. Como dois velhos amigos. Ele me perguntou sobre os remédios e sobre a minha dor na coluna. Contei pra ele sobre minha possível cirurgia. Ele disse que esperava que tudo se resolvesse, e que a dor cessasse, porque ninguém merece sentir dor a vida inteira. Porque a dor devia ser uma coisa que dá e passa. Eu disse que concordava, apertei sua mão e dei-lhe as costas. Voltei pra minha mesa convencido de que o problema era eu, estava em mim, e que eu teria que me contentar com aquela alegria, que a essa altura já vinha me atingir.
Terminado o expediente, e aquele contentamento que pra mim sentido algum fazia, tomei um táxi pra casa. Mas taxistas tem mania de querer saber da vida, e de como foi seu dia. Disse que tinha sido bom. E me espantei com as palavras que saíam da minha boca. Porque minha resposta é sempre essa. Sempre digo que estou bem, foi bom, muito bom às vezes. A alegria a ninguém interessa, e isso encerra a conversa, e quando digo que estou mal me enchem com meia dúzia de porquês e poréns. Mas naquele dia eu estava bem de verdade. E agradeço a Deus por não interessar a ninguém a alegria, porque eu não seria capaz de me explicar.
Ela me ligou naquele dia, à noite. E me visitou também. Tomamos um vinho. E assistimos um dos nossos filmes favoritos. Contamos piada, jogamos cartas. Mas eu continuava incomodado com aquela alegria, que insistia em me presentear. Aquela sensação de paz, que há tempo eu não sentia. Aquela sensação, que deixa as noites menos solitárias e os dias menos hostis. Já não eram tão desinteressantes as pessoas, e eu já tinha paciência pra tratar dos meus problemas que deixei escondido, faz tempo. Mas eu ainda não sabia como lidar com aquilo tudo.  Porque eu já havia aprendido a lidar com a dor. Eu já sabia suportá-la. Eu já não tinha mais medo. Até que ela me abandonou.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Monólogo de ti


Por João Paulo Vieira

Eu, cuidador de mim
Que ando sozinho à noite
Enquanto bebes de outros beijos
E beija os outros sonhos.
Procuro aqui e a esmo
Curar essa agonia
Pereço.
Me despedaço
A te inventar sozinho
A me sufocar de tudo o que não me dás
Suma!
E não me perturbe nos meus sonhos
Preciso dormir
Agora que te amar dói tanto.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Um par de olhos


Ela se levantou naquele dia decidida a conquistar o tal rapaz que vestia sempre branco, mas lhe tirava toda a paz. Ele era moreno alto, quase forte, e nesse ponto da história ela já sabia que ele também tinha uma voz encantadora, e como as vozes a ganhavam.
Ele morava longe, e estava sempre distante mesmo quando estava ao lado dela. Ele morava em outra cidade e com certeza vinha de outro planeta, não poderia ser deste, era quase perfeito, do tipo tão parecido com ela que causava medo, e a deixava cada vez mais apaixonada.
Pensando numa maneira de se fazer notar por ele, de fora para fora, afinal não haveria como se mostrar por dentro assim de cara, ele se assustaria e nunca mais voltaria como fizeram os outros. Era necessária outra estratégia, e de fora ela não tinha nada de interessante para mostrar, mas gostava muito dos seus olhos. Grandes, pretos e brilhantes. Um par de olhos que no momento era seu ponto forte, neles ela guardava um pouco do seu eu de dentro. Para ela todo mundo tinha um lado bonito e o dela com certeza era o dentro. Estava decidido, os olhos seriam os responsáveis por chamar atenção do escolhido.
 “Ah, esse moço, tomara que me olhe nos olhos.” Passou a repetir todos os dias era como uma oração. Também fazia parte do ritual encarar os próprios olhos no espelho num narcisismo um tanto perigoso. Não fosse seu bom senso, teria se amado tanto que se perderia no breu daquele olhar, tão seu que já parecia mais que perfeito, não no espelho, mas no rosto. Belíssimo apesar de não superar a beleza que seria ter aquele moço.
Muitos meses se passaram desde que a sorte fora lançada e a moça teve enfim suas oportunidades. Como não sabia ser de outra maneira, ao encontrar- se com o rapaz, foi irônica e um pouco distante, além da frieza de costume, mas gostou muito do que soube e ainda mais do que não pode ver. Foi embora esperando ansiosamente pelo próximo encontro com a tempestade em forma de moço vestido de paz. Daquelas horas em diante ela se deu conta de que ele era um mistério e alcançava profundamente seu jeito de achar o mundo. Era um bom leitor de olhares, parecia estar sempre na mesma frequência que ela. Depois de algum tempo juntos, ela não revelava mais o seu “concordo”, ou “eu penso a mesma coisa”, pareceria falsidade, e aquilo era tão verdadeiro quanto possível. Quase mágico, e pra não desfazer o encanto às vezes ela falava, outras só sorria e pensava “é exatamente o que eu ia dizer, é assim mesmo que eu penso”. Tudo era tão simples que parecia inexplicável, e ainda bem que ninguém pediu explicações. Encontrar a paz foi seu tormento durante muito tempo. Não se pode ser feliz sem ter medo. Não foi diferente com ela, que não parava de se perguntar: - Por que ele é assim tão igual a mim?
As perguntas surgiam também para ele que àquela altura enxergava muito mais que um par de olhos devoradores e fascinantes, é verdade, mas uma mulher que era amiúde o seu sorriso, a resposta antes do questionamento (ela adivinhava seu pensamento, quase sempre), a continuação do raciocínio. Seu prazer, suas noites mal dormidas, suas melhores noites de sono. Companheira e companhia, ela era forte e sábia. Um achado de ter sempre por perto.
No fim das contas eles descobriram que juntos podiam ser as noites vermelhas e intensas de sábado; as tardes cheias de ócio e com brisa que acaricia o rosto, de domingo; podiam ser todos os dias. Juntos eles podiam ser tudo. A inquietude e a paz. O riso e o choro. O incômodo e o conforto. A mpb e o rock and roll. Juntos eles podiam ser, e de fato eram, um par. Muito mais que o par de olhos tido como o primeiro passo  do caminho, mas um par no baile da vida, que é dança de todo mundo, e que não é dança que se dança só. 

Te dedico


Por João Paulo Vieira

Nossas flores
O bilhete
E todo o meu amor
Te prometo
Deixarei tudo guardado
E eu não saio do teu lado
Porque há algo entre nós
Que eu não entendo
Mas te dedico.

Amor, um fluido corporal


Por João Paulo Vieira

Quando Deus teve a brilhante ideia de tirar Eva da costela de Adão, e criar a partir disso toda a humanidade ele provavelmente tinha algo em mente (afinal, ele é Deus), além do simples fato de dar a Adão uma companhia. Pois bem.  Adão, ao olhar pra Eva pôde se deparar pela primeira vez com o semelhante, mesmo que diferente. O outro. E Deus não fez isso por acaso, criar Eva. Ele fez isso, porque no ser humano, no seu organismo, que ele mesmo havia criado, há um fluido letal, que precisava ser descartado de tempos em tempos, sob o risco de causar um colapso sem tamanho no sistema todo se não fosse devidamente destinado: o amor.
Todo ser humano é capaz de amar. Independentemente da maneira como se expressa. E isso só acontece porque o corpo humano produz amor. E quanto mais amor ele fabrica, maior é a necessidade de fabricá-lo. E esse amor precisa ser evacuado. Como os outros fluidos corporais. Ele precisa ser prontamente entregue a um outro indivíduo, porque grandes quantidades dele no sangue causam transtornos muito desagradáveis,  que vão desde aquela profunda dor no peito até à insônia, podendo levar à depressão.
E de Adão até hoje essa necessidade de amar só se tornou mais urgente.  E a nossa geração, regada à histórias de paixões avassaladoras, canções de amor rasgado e um tal “direito de ser feliz” no qual tanto se fala, colocou o amor num pedestal. E é preciso amar. Não importa a quem, nem como. Mas importa quando. Agora.
O amor, em sua essência, não depende da figura do amado. Porque para o amante, o amado é incomparável, é imaculado, e é talvez o que mais se aproxima da ideia de perfeição. E essa necessidade de fazer-se existir nos pensamentos do outro, perder-se na confusão alheia, esse divino mistério de tentar entender, nem que seja por um segundo, o que se passa na mente e no coração do outro, estimula a produção do amor, fazendo-o circular a todo vapor na corrente sanguínea. E a figura do outro, que pra Sartre é uma definição de inferno, aqui aparece justamente como a figura da salvação. O outro, além de destino final do amor, é quem nos salva de nós mesmos. Não há tempo a perder. Declare seu amor.
Pobre de quem não encontra pra quem destinar seu amor. Porque o amor é como o sangue, ele precisa ser compatível.  Às vezes, por mais que se tente, se teime, não dá.  E o amor fica vazando no peito, doendo que só. Paciência. Mas acredito eu, que Deus ao criar Eva pra Adão, tenha pensando seriamente nas Evas e nos Adões que por aí viriam. O negócio é procurar.  Porque deve haver um amor compatível ao seu. Se bobear, talvez haja até mais de um. Mas tem que procurar. É importante ressaltar que o amor está no corpo, mas a compatibilidade está na alma. E nem sempre duas almas compatíveis estão suficientemente preparadas para se encontrar, num dado momento. Porém já cantou sabiamente Chico Buarque: “Não se afobe não, que nada é pra já. Amores serão sempre amáveis.” Confia no Chico.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O inferno particular



Por João Paulo Vieira
A dualidade existe. Todos nós, se formos comparar friamente o que somos, ou o que achamos que somos e a imagem que passamos para os outros, iremos perceber inúmeras diferenças. E há pra isso uma razão bem simples: nós não nos conhecemos a fundo. Porque investigar o que há em si mesmo pode ser uma tarefa difícil, dolorosa e principalmente, solitária demais.
A personalidade é, no fim das contas, um mosaico com tudo aquilo que achamos válido ou que consideramos importante numa pessoa. Ao ter contato com várias situações e pessoas diferentes ao longo da vida, selecionamos um conjunto de posturas as quais gostaríamos de adotar. E esse conjunto de adições do que gostamos e subtrações do que não gostamos tanto assim, incluindo aí nossas características crônicas faz de nós o que somos.  Ou o eu que nós queremos mostrar para as outras pessoas.
Ao contrário do que pode parecer, não mostrar sua “verdadeira face” aos outros não é nenhuma demonstração de maldade, muito pelo contrário, é um atestado de fraqueza. Porque o olhar do outro pode ser cruel demais, já que vivemos numa sociedade de valor onde todas as ações são julgadas prontamente, com pesos e medidas tão ambíguos quanto podem ser. Por isso é necessário muita cautela. Há sempre aqueles que chamam a isso de falsidade. Bobagem. Acusar qualquer um de falsidade é um moralismo barato sem tamanho. Porque a realidade é que ninguém é, mas está. Estamos conforme a situação. A cada momento cabe uma postura, uma face diferente do eu, e estamos sujeitos a mudanças o tempo todo, isso é evolução.
Mas há uma face de nós que ninguém conhece. E que nós próprios fingimos desconhecer, pelos mais diversos motivos. Nosso inferno particular.  É lá onde habita tudo o que há de mal resolvido em nós. Porque as faces que mostramos aos outros são simples e alegres. Elas têm uma função pré-definida, bem determinada. É quase que teatro. Mas no seu inferno particular nada é previsível e a dor é real. Lá, onde você esconde a sua falta de fé seja no que for, é que haverá perguntas que te afligirão de verdade, e vai doer.  O inferno particular é o único lugar onde você tem a liberdade de assumir seus atos sem a jurisdição de seja quem for. E por isso  tem que ser feito sozinho. Porque não há no mundo quem entenda com clareza a confusão que se passa dentro de si mesmo.
Há várias formas de fugir do inferno particular. A multidão é uma delas. Às vezes, se esconder no meio dos outros e se ocupar da vida alheia soa tão mais agradável, tão mais fácil. E é. Porque a dor do outro não dói em você. E por maior que seja a cumplicidade, o vínculo, por mais comovente que seja o sofrimento do outro ele é superficial perto do seu. Viver na superfície é uma maneira de escapar de si mesmo. Mas não funciona pra sempre. Chega o momento em que é preciso aprofundar-se, nem que seja lentamente, até chegar ao ponto onde a dor é mais latente. É melhor não acreditar nas mentiras que você mesmo conta. Tentar ser mais que o esboço. Arriscar-se um pouco, ocupar-se de si mesmo, aceitar a companhia da solidão. É preciso uma temporada no inferno. Conhece-te a ti mesmo.

Sem ela


Já se passaram anos desde o dia do dia mais triste que eu já vivi. Ninguém percebe, mas desde ali eu nunca mais fui a mesma. Não por causa da dor, nem daquele buraco imenso que tomou conta, mas pela falta de luz. Apagaram a lâmpada principal, e eu nem tinha acabado de ler a história, na verdade eu nem tinha terminado de escrevê-la, era muito mais um ensaio, interrompido sem nenhum motivo aparente. Não há explicação. A história acabou assim, antes do final feliz ensinado nos contos infantis.
Agora tem uma angústia, uma dor bem doida e profunda, um vazio que às vezes eu chamo de saudade, mas na maior parte do tempo não tem nome e me acompanha diariamente. Saudade dela. Quanta saudade. Quanto amor. Nada de sentimentos inventados que começam nas sextas e terminam nos domingos à noite. O amor na sua forma mais sincera. O amor que coloca no colo, entende o olhar, briga e mostra que tem razão. O amor eterno, e só por isso maior que a dor de ser, mas não estar.
E ainda tenho tanto pra falar pra ela (confesso que às vezes falo mentalmente). Tanto pra ouvir... A vida estava toda ali até não estar mais. Eu estava toda aqui até ser levada junto com ela em doze de abril de dois mil e sete.
Fica a sensação de que seria tudo diferente.
Fica o choro nas madrugadas.
Fica o vazio da casa, sem seu elo mais forte.
Não dá pra pensar em como vai ser amanhã. O caminho é conseguir sorrir para o dia hoje, e ver o que mais tem pra ficar. Já que nada nos salva da vida, muito menos da morte.

sábado, 9 de junho de 2012

Chega de Saudade


Por João Paulo Vieira

“Ó pedaço de mim, ó metade arrancada de mim, leva o vulto teu, que a saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu. Leva o que há de ti, que a saudade dói latejada, é assim como uma fisgada no membro que já perdi.”
Ópera do Malandro – Chico Buarque

Saudade é um nome genérico que se deu pra tudo aquilo que a gente sente, sem poder sentir, pensando no que não tem mais. Saudade é o nome que se deu pra todas aquelas noites em claro, e aquele excesso de energia misturado com uma angústia que dói no peito. Saudade geralmente tem nome e endereço, e é por isso que essa saudade, que a gente julga conhecer tão bem e tanto evoca, não deveria se chamar saudade. Porque a saudade de quem está vivo é um tormento, mas não se compara à saudade de quem já se foi.  Essa saudade, que se restringe a um misto de nostalgia e esperança, é mais que só saudade.  É quase amor.
Esquecer é talvez um dos maiores desafios da mente humana. Apagar uma ideia, uma lembrança, ou milhares delas. Apagar imagens, mensagens, sentimentos. Apagar sentimentos é quase impossível. Porque sentimentos não têm forma, e não deveriam ter nome, já que manifestam-se a cada qual de uma maneira diferente. Sentimentos não morrem, mas assumem a forma que a circunstância permite. Pois bem. Esquecer é humanamente improvável.  É possível arranjar milhões de argumentos, pretextos e até mesmo mentiras que justifiquem o pensamento. Mas não há sequer uma palavra que justifique o não-pensamento. O vazio de ideias, a ignorância plena. Certamente que seria mais fácil se houvesse uma maneira de suplantar a ideia que não deveria estar rondando a mente. Mas não há. E quanto maior a teimosia em esquecer uma coisa, mais nítida fica a sua sombra,  mais enraizada vai ficando a ideia. Vai criando vida própria, encorpando, pra virar sabe-se Deus o quê.  E é por isso que a melhor forma de escapar da saudade talvez seja encarando-a. Olhando bem no fundo daquela lembrança que já não pode ser esquecida. Porque se não pode ser apagada, talvez possa ser guardada, nalgum lugar onde não seja tão visível. E convenhamos, boas recordações não foram feitas pra serem borradas nem de sangue, nem de lágrimas. Foram feitas pra serem devidamente arquivadas, como fotografias. Depois de um tempo, aquela imagem do passado vai ficando velha e de tanto ser observada vai perdendo o viço, e se tornando realmente apenas uma fotografia. Eis a alegria e a tristeza do fim de uma saudade. Enquanto existe, castiga o peito com a marca da felicidade que se perdeu. Depois de inerte, vira só um rabisco no fundo da alma, que talvez não seja capaz nem mesmo de arrancar um tímido sorriso amarelo. 

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Da boca pra fora. Do fundo do coração


Que você não precise ignorar o mundo e nunca se prenda ou se solte sem saber por que, sem usar a razão, ou sem estar certo de que não usá-la é a melhor opção.
Que seus olhos estejam sempre brilhando. E que a fé (em qualquer coisa, em qualquer um) esteja sempre em você.
Que você chore e fale todos os palavrões que souber quando tiver uma raiva apertando o peito, travando a garganta. Que você grite alto e só pare quando estiver aliviado.
Que você tenha um cantor favorito, uma música que fale tudo o que você queira dizer, ou que transforme seu dia, seu humor, sua mente.
Que você tenha um ou dois amigos para quem possa contar que às vezes acha que o amor não existe, ou que acredita em outra vida, ou que tem medo de ficar sozinho no mundo, ou que você escreve textos falando de dor e amor, e tédio e saudade.
Que você tenha dinheiro, sucesso e conforto, e não mude nada quando for completamente outro.
Que você esteja sempre apaixonado. Sempre bêbado. Sempre satisfeito.
Que você pelo menos uma vez, se sinta plenamente feliz e que não saiba explicar como, nem por que está assim.
Que você aprenda tudo que quiser ensinar. E tenha consciência de que não sabe nada, nada mesmo.
Que seja forte e se mantenha longe, mas nunca inalcançável. Que descubra um jeito de não ser mais do mesmo.
Que não se perca pelo caminho, e não tenha vergonha de voltar se achar que não dá mais pé.
Que você experimente e seja experimentado.
Que duvide mil vezes antes de não acreditar, e vez ou outra se permita crer.
Ria de si, e dos outros, é claro. Comemore as vitórias e morra um pouco a cada derrota, mas nunca perca a vontade de continuar.
Tenha pelo menos um all star de estimação e mantenha por perto as pessoas que te fazem bem.
Que encontre um par pra dança que escolher.
Que use a qualquer tempo sua capacidade infalível de pensar.
Que conheça o mundo e quem sabe um dia até conheça a si.
Que você envelheça.
Que você saiba o quão poderosas podem ser as palavras e quão inúteis podem ser os conselhos.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Todo dia é infinito


Traga um pouco de chocolate e toda a sua solidão. Volte para casa junto com a lua que hoje está cheia, clara, e sorrindo para o mundo. Nada de andar por aí gastando seus ois ou até logo, vá direto não repare o caminho e volte amanhã.
Traga meias limpas e aquele quase amor de sempre. Tome café forte e puro pra despertar, e não se esquecer de que a vida é assim mesmo, pura,forte, mas é bom se acostumar com o gosto, ele não muda nunca.
Traga seu sorriso e bons sons. O cantar acalma, ou adia. A música é a ligação inexplicável entre o querer se sentir bem e o ficar bem. Ela transforma, completa, enfim. Tudo é uma questão de escolher a trilha certa. E do seu bom gosto eu já tive notícias.
Traga pizza e inspiração. Anote seus pensamentos mais ridículos e também os que possam ser bons. Começar é necessário, então que seja logo. E que seja com você.
Traga seu lado bom, e não esqueça o mau, é fundamental não manter o equilíbrio, é essencial equilibrar-se.
Venha. Porque a vida pode não ser, mas todo dia é infinito.

Contando


Comecei a contar os dias como antigamente, e como naquela época eu não tenho um motivo que explique esse ato. Porque deixar de contar não faz com que eles parem de passar, levando um pouco de mim e trazendo um tanto de mundo, que lentamente, (ou rápido demais) me transforma em outro alguém.
Os dias eternos como sempre. Contáveis, visíveis, cheios de possibilidades, cheios de vida, despedidas, faltas, silêncio, memórias, mas principal e inevitavelmente, cheios de si. Autênticos, exclusivos, com tudo igual outra vez. Com tudo diferente de novo.
E nesse tempo que não espera só uma coisa é necessária, seguir. Por mais doloroso que seja contar, quem sabe até o dia de perceber enfim o que justifique a contagem.
Já passou, está passando, vai passar.
Um dia.

terça-feira, 5 de junho de 2012

O Super Poderoso Passado



Como é fantástica a habilidade do ser humano de transformar o passado em algo muito melhor do que de fato foi.
            O passado é aquele lugar magistral onde as cores são mais fortes, as imagens mais nítidas e blindadas contra o mal feito. Lá o tempo não existe, aliás, nada existe. Na verdade o passado é a imaginação brincando de perfeição e felicidade. Tudo é poético. A tristeza e a alegria dividem cenas e atenções sob o céu poucas vezes gris, quase sempre todo azul, azul como jamais esteve.
            O cérebro se diverte fazendo a edição dos “melhores” momentos e juntando-os num filme que vai do drama à comédia sem cerimônia, dependendo só das condições de temperatura, espaço, (de)pressão, dos dias do ano, de como o presente esteja se colocando. O presente. Este sim excruciantemente real, sem cortes, a vida desmascarada. Ela por si só.
            As ideias, os sentimentos, as conversas, estão todos lá (aqui). Representantes legítimos da existência. Os donos da verdade que tornam o agora um tanto menos bonito do que é.
            O Super Poderoso Passado. Seus super poderes? A criatividade, o esquecimento. No passado não é preciso lutar contra si, muito menos contra os outros, não há encontros nem desencontros, não é preciso aprender. Basta assistir ao mesmo filme. E pode-se parar na imagem que mais agrada, também é permitido voltar, até porque tudo por aquelas bandas é tão distante e tão perto que nem chega a ser, por lá se anda muito, mas não se vai a lugar nenhum.
            O passado é nada. É o que já não se tem. Volta-se para o que não é, não será, e talvez não tenha sido. E qual é a graça disso? Diferente do presente, o passado é poderoso, o passado pode ser observado de longe. Muito mais fácil. Muito mais humano.

sábado, 2 de junho de 2012

Dois minutos


Todos os dias ela acordava meio atordoada, talvez porque o sono só tivesse durado umas duas horas e a noite fosse longa demais para os que sofrem de insônia, e pode ser inconveniente e sincera como só uma criança consegue ser naturalmente. É, a noite é uma criança.
Naquela em especial, uma ligação mudou tudo. Nada de céu estrelado nem de lembranças boas ou ruins, só o passado, chamando ao som de “Eu sei” do incrível e denso e profundo Renato Russo.
Era ele, depois de tanto tempo, como ainda tinha aquele número? Em outros tempos não hesitaria em atender, teria sorrido ao ver o nome, a foto com aqueles olhos grandes, lindos por sinal, lindos como ele mesmo era por dentro, e por fora, apesar de estranho. Ele fazia questão de ser o ponto diferente entre os comuns, de um jeito discreto é verdade, mas sempre estranho, lindamente estranho. Agora não era mais um nome, nem uma foto, mas era um número que estava guardado na memória dela e chegou correndo  junto com a surpresa e com o piscar da luz daquele celular na sua mão.
E então, atender ou não?  A imaginação se colocou a postos e pronto, lá vai ela para o mais longe possível, viajando por todas as possibilidades de qual seria o motivo da ligação... Algo ruim? (a madrugada não é lá uma boa mensageira). Alguma notícia tão boa que não pudesse esperar pelo sol? Outra música precisando de um refrão? Uma ideia de presente para a mãe, ou para o melhor amigo? Uma viagem sem volta pra Londres? Podia ser qualquer coisa, podia ser engano. Engano, sim, enganou-se o destino, a vida, ele próprio agora.
Ninguém avisou a ele que ela havia passado muito tempo esperando ver aquele nome aparecer novamente por ali? Com uma voz rouca que era um misto de timidez e provocação. Era a voz da paixão, dele, dela. 
Pareceu  impossível atender. Já tinha doído uma vez apagar o nome a foto, tudo. E se doesse de novo, e não parasse nunca mais? E se não tivesse tudo certo como ela pensava estar? Era a condição "se" causando confusão, e como ela sabe fazer isso.
Mas uma coisa era fato ela não era mais a mesma, ele não devia ser também, seria  como atender ao chamado de um completo desconhecido. A coragem chegou enfim e na hora em que Renato dizia “Um dia pretendo tentar descobrir",  ela disse serena:
_ Alô
_ Oi, sou eu. Te acordei?
_ Oi, eu sei que é você. Não, estava acordada.
_ Tudo bem? Acabei de ler sua última carta. Ainda tenho insônia. Você também né? Deu saudade. Você não sente saudade?
_ Sinto, mas não adianta nada, ás vezes me tira o sono, me tira a paz. Mas é só, finalmente parou de machucar.
_ Eu ainda tenho aquela foto. Os bilhetes, e-mails, tudo.
_ Por que ligou?
_ Eu queria te encontrar.
_ Já me encontrou, até já me perdeu, se não se lembra.
_ Parece que sim. Vou desligar então, Desculpa. Adeus.
_ Adeus.
Dois minutos. O passado não durou mais que isso. Ficaram a insônia, e a certeza de que Renato não poderia ter dito outra coisa naquele momento, senão “Um dia pretendo tentar descobrir por que é mais forte que sabe mentir. Não quero lembrar que eu minto também.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Feito de lágrimas e palavras


Ser forte é para os fortes. Se cansa?
Muito.
Chorar, sorrir, cuidar, viver. Desde o último abraço (o melhor de todos, o mais cheio de amor), já se passaram anos, tantos dias eternos sem ela, nem sei como eu ainda suporto essa falta. Dói tanto, tanto que às vezes parece nem doer mais. Mas aí basta um dia nublado, uma noite de insônia, uma fotografia de tempos outros, aqueles em que o amor corria solto, e pronto. A ferida pulsa, porque é ali que meu coração bate apertado e triste como só eu sei.
De longe ninguém imagina, mas faz algum tempo que levantar da cama é um ato corajoso, respirar não parece tão simples e sentir saudade é inevitável. E mesmo assim ser forte, como só quem é se sabe assim. Ser forte como a vida ensina, mas a morte ensina muito mais.

É diferente agora


Anda torta, pela estrada torta
Dessa vida pouco sabe.
Ganha um, perde três ou mais, e volta.
Pela vereda conta, recolhe o que cabe
Canta alto, grita forte - Falta!

Sente muito, sente pouco - Nada!
Quer ser grande, quer chegar longe
Quer ser estrada, ser início e fim.
Aprende o caminho, desafia o destino
Constrói a própria ponte.

Encontra um rumo
Guarda mais saudade
Toma logo prumo, é diferente agora.
E vê ser feita a sua vontade, Será sua de verdade?
Lá fora, lá em cima aqui dentro. Assim na terra como no céu,

Como na oração que ele ensinou
Ela fez questão de decorar
E usa, quem sabe até funcione,
Ainda não conheceu o que a faça mudar
Nem de caminho, nem de nome, é diferente agora.

Algumas décadas desde o começo,
Já se passaram e ela não parou
É melhor agora? Agora é o avesso.
Quem sabe o lado certo em que se transformou.