Por João Paulo Vieira
A dualidade existe. Todos nós, se
formos comparar friamente o que somos, ou o que achamos que somos e a imagem
que passamos para os outros, iremos perceber inúmeras diferenças. E há pra isso
uma razão bem simples: nós não nos conhecemos a fundo. Porque investigar o que
há em si mesmo pode ser uma tarefa difícil, dolorosa e principalmente,
solitária demais.
A personalidade é, no fim das contas,
um mosaico com tudo aquilo que achamos válido ou que consideramos importante
numa pessoa. Ao ter contato com várias situações e pessoas diferentes ao longo
da vida, selecionamos um conjunto de posturas as quais gostaríamos de adotar. E
esse conjunto de adições do que gostamos e subtrações do que não gostamos tanto
assim, incluindo aí nossas características crônicas faz de nós o que somos. Ou o eu que nós queremos mostrar para as
outras pessoas.
Ao contrário do que pode parecer, não
mostrar sua “verdadeira face” aos outros não é nenhuma demonstração de maldade,
muito pelo contrário, é um atestado de fraqueza. Porque o olhar do outro pode
ser cruel demais, já que vivemos numa sociedade de valor onde todas as ações
são julgadas prontamente, com pesos e medidas tão ambíguos quanto podem ser.
Por isso é necessário muita cautela. Há sempre aqueles que chamam a isso de
falsidade. Bobagem. Acusar qualquer um de falsidade é um moralismo barato sem
tamanho. Porque a realidade é que ninguém é, mas está. Estamos conforme a
situação. A cada momento cabe uma postura, uma face diferente do eu, e estamos
sujeitos a mudanças o tempo todo, isso é evolução.
Mas há uma face de nós que ninguém
conhece. E que nós próprios fingimos desconhecer, pelos mais diversos motivos.
Nosso inferno particular. É lá onde
habita tudo o que há de mal resolvido em nós. Porque as faces que mostramos aos
outros são simples e alegres. Elas têm uma função pré-definida, bem
determinada. É quase que teatro. Mas no seu inferno particular nada é
previsível e a dor é real. Lá, onde você esconde a sua falta de fé seja no que
for, é que haverá perguntas que te afligirão de verdade, e vai doer. O inferno particular é o único lugar onde
você tem a liberdade de assumir seus atos sem a jurisdição de seja quem for. E
por isso tem que ser feito sozinho.
Porque não há no mundo quem entenda com clareza a confusão que se passa dentro
de si mesmo.
Há várias formas de fugir do inferno
particular. A multidão é uma delas. Às vezes, se esconder no meio dos outros e
se ocupar da vida alheia soa tão mais agradável, tão mais fácil. E é. Porque a
dor do outro não dói em você. E por maior que seja a cumplicidade, o vínculo,
por mais comovente que seja o sofrimento do outro ele é superficial perto do
seu. Viver na superfície é uma maneira de escapar de si mesmo. Mas não funciona
pra sempre. Chega o momento em que é preciso aprofundar-se, nem que seja
lentamente, até chegar ao ponto onde a dor é mais latente. É melhor não
acreditar nas mentiras que você mesmo conta. Tentar ser mais que o esboço.
Arriscar-se um pouco, ocupar-se de si mesmo, aceitar a companhia da solidão. É
preciso uma temporada no inferno. Conhece-te a ti mesmo.
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