sexta-feira, 22 de junho de 2012

Chove


Por João Paulo Vieira

Quando era criança, as tempestades pareciam mais furiosas e mais frequentes. Pode ser só uma impressão, não sei. Mas desconfio. Sei que quando vinham aquelas chuvas fortes, com ventos barulhentos e aqueles raios e trovões de botar medo em  qualquer um, minha mãe mandava que a gente rezasse. Que rezássemos pra chuva passar. Rezássemos pra que ela não deixasse destruição, e que não fosse tão violenta, e que ninguém se machucasse. Mas era estranho ver a preocupação nos olhos da minha mãe. Era estranho porque a mãe, quando se é criança, é alguém que não tem medo. Pra minha mãe, tudo era possível. Mas ela tinha medo da chuva. E rezava.
Eu assistia paralisado àquele espetáculo. Rezava, mas não tinha muita consciência das palavras que saiam da minha boca. Porque a chuva me impressionava muito. Eu ficava imerso naquele barulho, naquela umidade, no barulho que vez ou outra me deixava em estado de nervos, na sensação de anoitecer enquanto ainda é dia. Eu não conseguia me concentrar na oração, apesar de repetir compulsivamente todas aquelas palavras que sabia de cor. A chuva era um mistério que enchia meu coração, não de medo. Mas de liberdade. E eu me sentia protegido por toda aquela força, diante da qual nada se podia fazer além de esperar e rezar. E talvez não fosse o medo que fizesse com que minha mãe rezasse. Talvez fosse justamente essa força que vem com a chuva. Esse poder de fazer com que todos se calem, o barulho que abafa todas as vozes.
Ainda me intriga a chuva. Acho que mais que nunca. Pra mim, grandes chuvas carregam grandes transformações. Eu nunca sou o mesmo depois de uma grande chuva. Porque quando chove muito lá fora, acaba sempre chovendo um pouquinho aqui dentro. Nunca fui capaz de vedar completamente as portas ou as janelas, nem mesmo de resolver os problemas de infiltração. Chove muito. E eu amo quando a chuva vem. Quando estou sozinho, e ela me faz companhia. Fico esperando ansioso, toda vez que o céu se cobre com aquelas nuvens negras. É que essas chuvas acabam sendo minhas mais sinceras orações. E chovem pra mim todas as lágrimas que eu ainda não sou capaz de chorar. 

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