domingo, 13 de janeiro de 2013

Ninguém escapa de sentir mais uma vez


A gente nunca esquece nada. Na verdade fica tudo escondido. Algumas coisas mais visíveis outras quase desaparecidas, mas ainda e sempre ali. Porque a gente sempre acha que vai precisar, ou pior, acha que vai esquecer. O que se viu, sentiu, provou, chorou, riu, lamentou, encontrou... Tudo ali. Tudo aqui. Pra sempre. Até que um acontecimento qualquer faça emergir um tanto empoeirado, ou ainda doloroso, ou colorido demais, cheio de uma vida que não é mais a sua...
Ninguém escapa de sentir mais uma vez. Mesmo que já não tenha o mesmo significado ou intensidade, essa tal memória, que serve muito mais como escudo, fatalmente nos atinge só pra mostrar que é forte e infinita.
Se com uma vela acesa muita coisa do lugar mais escuro da memória já aparece de novo, que nunca, em nenhum momento da vida, se acenda um holofote a menos que se pretenda enlouquecer.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Feliz Ano Velho


Por João Paulo Vieira
“Encarar a vida pela frente... Sempre... Encarar a vida pela frente, e vê-la como ela é... Por fim, entendê-la e amá-la pelo que ela é... E depois deixá-la seguir... Sempre os anos entre nós, sempre os anos... Sempre o amor... Sempre a razão... Sempre o tempo... Sempre... As horas.”
Virgínia Woolf
            
Parado estou enquanto as horas passam. Nos olhamos face a face, e tento traduzir em pensamento a crueldade com a qual me enfrenta a tarde inteira. Está quente e não posso me mover. Meus pensamentos gritam, minha cabeça dói. A medida que as ideias tomam corpo posso ver nitidamente que não há tempo. Vou lutar como um louco e no fim das contas não ter havido tempo, nunca. E as horas passam, velozes. Passam com autoridade, ironia. E eu morro um pouco a cada hora. E eu me recuso a morrer.
Só. E é estonteante ver como uma palavra tão curta, que desenha o mais vazio do ser pode dizer tanta coisa. Só, acompanhando a beleza da tarde se desfazer na feiúra do grito meu, do grito silencioso, do murmúrio daquele que assassinou a tarde. Não há banho de mar, não há fotografia, não. Há uma dor. Que persegue todo aquele que tenta por um instante desafiar o tempo ou o espaço. Não há fuga. E o que há? Há essa imensidão. Milhões de corpos flutuando sob cabeças falantes. Que esperneiam seu direito de viver. Que cospem conselhos fúteis, ideias pré-moldadas, felicitações por um mundo melhor. E há esse desejo em mim de fazer com que tudo seja diferente e pintar um quadro como aquele que vi há um tempo atrás, colocar a vida em exposição. Olho atento para todos os lados, analiso as variáveis. Bobagem. Não há mudança, nem novidade. Há esse ar parado que invade a sala sob a forma de raios de luz. Há essa luz, pálida que timidamente nos absorve. Há o sono que mais uma vez me impede que me mexa. Paz não há.
Mas há sempre aquela hora do dia quando os espíritos bons falam mais alto. E caminhos desenham-se à minha frente. São ideias simples, que pareciam idiotas outrora, mas que naquele momento tomam a forma brilhante que têm as vãs esperanças. Penso não estar mais só. E milhões de sorrisos invadem a sala, me fazem companhia. As pessoas conversam calmamente, nas situações de alegria e contentamento que eu crio nessas horas. E é inebriante a ausência do passado, que nessas horas se desfaz. Não há lembranças, nem rostos pra nos massacrar. E nessas horas somos felizes, no plural.
Pois eis que a noite vem. Cruel. Porque a noite meus caros, é a consciência do dia. Teu juízo final, é quando inevitavelmente ao colocar a cabeça no travesseiro a alma pesa. E não há quem durma em paz quando o coração aflige. Não há quem durma em paz quando nem o sono é fuga, quando nem em sonho se pode fantasiar o que há de bom. Inútil dormir, a dor não passa. Desafia a noite a enxugar teus olhos, enfrenta a noite. E sente o amargo da dor, assim como é. Porque é nessas horas, exatamente nessas horas que a miséria mostra como é terna sua companhia. Que ser infeliz não é mazela, mas sim a negação da solidão. Porque enquanto sozinhos, estamos sós. Mas quando infelizes, somos todos juntos. E a infelicidade não suporta a solidão.