segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A bruxa

Por João Paulo Vieira

Desci pra ir ao banco pensando comigo qual seria a melhor estratégia para passar confortavelmente e sem estresse pelo detector de metais. Concluí que o melhor a se fazer era mesmo o de sempre: guardar tudo possível na mochila e deixa-la naqueles armarinhos que ficam na porta. Passo só com o livro, que já está na mochila, pelo maldito detector. Feito isso, só precisaria sobreviver ao tédio das horas subsequentes.

Odeio ir ao banco. Na verdade é um daqueles ódios controversos, quando você ainda consegue enxergar algo de bom numa situação ridícula. Vez ou outra acontece algo memorável. Hoje, por exemplo, sentei-me ao lado de uma velha senhora, provavelmente saída de algum livro ambientado nos anos 20. Tinha os cabelos muito brancos e curtos, na altura da orelha, numa espécie de chanel desconcertado. Usava um vestido lilás muito elegante e brincos de pérola. Antes mesmo de terminar a primeira página da minha leitura fui interrompido por uma súbita frase da senhora: “Você deveria parar de fumar.” Fiquei num misto de espanto e maravilha! Como podia aquela senhora, que eu nunca vi na vida, falar tão confiante algo que eu provavelmente precisava ouvir, mesmo não sendo de forma alguma do seu interesse? Nem tinha fumado então não foi meu cheiro a me denunciar. Respondi que sim, que deveria. Que não parava porque minha ansiedade me deixa estupido. Ela pegou na minha mão e disse: “Não me leve a mal, mas isso vai te matar. Acredito que na vida as vezes tudo parece não fazer sentido porque na realidade não faz. Só não tente buscar respostas onde você já sabe que elas não existem. O cigarro pode ferrar seus pulmões. A desesperança pode matar a sua alma.” Fiquei petrificado. Ela falava serenamente, com o olhar fixo e ao mesmo tempo doce, falou pra dentro de mim. Olhei pra ela e respondi que talvez aquelas fossem exatamente as palavras que eu queria ouvir. Sozinho, nos meus pensamentos, encontro sensações que me anulam e me enchem de um silencio doentio. Aquela mulher, que com as suas palavras invadiu meus segredos, era um alívio para a minha solidão. Ela sorriu e disse que queria muito que as coisas fossem tão simples quanto o nosso desejo de plenitude. “Amargar o que não se fez, chorar a morte da ideia que, florida, se foi porque aqueceu o coração antes mesmo de existir. Também estou presa, meu bem. E cumpro a duras penas minha sina. Tenho cicatrizes que não me deixam esconder. Tenho rugas que me denunciam todo o luto que eu já revirei. Mas é que a beleza existe. Escondida, em todos os cantos. Se não fosse a beleza eu não poderia mais viver.” Aquelas palavras já doíam meus ouvidos. Podia mesmo eu estar sendo abordado na fila do banco pela minha própria consciência? A senha dela foi chamada. Se despediu com as seguintes palavras: “Não tente mais ver o que não te mostram seus olhos.”


Gastei o dia todo remoendo aquelas palavras. Tive um daqueles dias quando não se tem lugar no mundo, o sol está quente, a sombra está fria, e onde quer que se vá o grande desejo de sair de si próprio te impede de conseguir respirar. Encontrei uns amigos e engoli meu ar triste. Engoli os pensamentos que me descabelavam e minha falta de paz. Decidi assumir, naquele momento, que a ausência da beleza era apenas o estágio imediatamente anterior à plenitude. Chorei lágrimas secas e vi que estava sendo ingênuo ao cultivar com tanto afinco o meu descontentamento. Fechei os olhos e pensei no momento em que a senhora da fila do banco pegou minhas mãos e tão carinhosamente olhou dentro dos meus medos. Suas mãos eram quentes, como quando se é feliz nos sonhos.  

domingo, 21 de junho de 2015

Os jogos florais

Por João Paulo Vieira

Pois que duvido da força dos meus versos!
A flor que canto é toda espinho
E ainda assim reduzo sua crueldade a pó.
Escrevo porque a escrita traz de volta
meu ponto de partida.
Encerro em algumas palavras meu breve luto
e cessa, subitamente, a vontade de retornar.
Minto!
E cá de dentro escarneço minha capacidade de ser real.
Cubro de flores que não reconheço meus exageros.
(ou o que nos trouxe aqui.)
Seria eu algo de avesso à lucidez¿
Seriam as circunstâncias sinais de minha reprovação?
Desejo não precisar de poesia,
não viver aqui dentro,
não contar mais os dias,
assumir que não desejo.
A tinta no papel, o sentimento nos ombros.
Apenas entenda que fomos nós,
pelas nossas próprias trajetórias,
que nos chocamos de tédio.
Não devo pedir.
Mas dê-me o que eu quero.
Faça-me feliz.
Me poupe da miséria e do cinismo.
Livre-me.
Me petrificam seus olhos
Quando me mostram que a vontade nem existe.
Um cheiro de flor me invade a alma
e sinto que o mundo não importa,
e sinto que a irracionalidade é mesmo um dom,
em tom de amor cansado de esperar.

domingo, 31 de maio de 2015

Momento

Por João Paulo Vieira
Que posso eu com a fluidez dos meus pensamentos?
Dêem me pedras, não conselhos!
Que faço eu com a solidariedade dos seus versos?
Dono de mim, não da minha loucura,
Escondo no meu sono a minha luta.
Pensa que não sei como é vão esperar a hora?
Se não chega, é que não vem.
E se me ignora é porque criei pra nós
Uma infinidade de mentiras que te sustentam.
(E me arrastam.)
Longe de mim, endureço meus sentidos.
Engulo uma estrela do céu

E guardo um grande amor nos meus cabelos.

sábado, 2 de maio de 2015

Lusco-fusco

Por João Paulo Vieira

Da cor dos seus cabelos
é o sentimento que agora me povoa e desafia.
Do tamanho dos seus olhos.
Soube por mim e por todos
que meu fardo era a minha falta de lucidez.
Não fui capaz de ver você sem ver a mim
(Sonhamos acordados)
Mas ambos  sabemos que o  amor é sobre si.
Eu sei.
Tento em vão te deixar perto
quando os abismos que crio nos separam.
Escolho.
Te escrevo e te guardo na memória,
que é onde eu deixo a beleza
e as coisas que  não entendo.
Pela janela do quarto
conto os motivos pelos quais me dói a ingratidão dos seus detalhes.
Perdôo.
Mas dentro de mim o que é seu já me pertence.
Luto contra o que em mim floresce
e vivo a estupidez dos cegos.

Queria ver o que os seus olhos vêem.

Retorno

Por João Paulo Vieira

De volta estou à vida de poeta
De amores inalcançáveis,
Donzelas inatingíveis,
De tempo posto em prova
E prática.
Aqui estou!
Jamais se apaixone.
Pregava o homem sábio
(que morreu do fígado)
Não gaste suas primaveras
Amando as belezas que se esvaem
Fossem eternas as coisas, amasse!
Mas fogem elas noite adentro
Calando todos seus caprichos.
De volta estou ao ofício dos que esperam
Toco as coisas que me tocam
E amo a cada um, por si
Mas amo ainda mais aquele que grita,
Com bárbaros doces gestos,
Dentro dos meus pensamentos,

A minha solidão inteira.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Uma certa magia

A gente entende melhor as coisas que significam para nós.
Acho que o mesmo acontece com as pessoas que a gente ama.

Um exemplo: eu conheço uma mulher de olhar doce, mãos firmes, pele escura e cabelos brancos que denunciam a sua idade, mas não a sua história. Ela escolheu ser generosa e entregou-se ao seu ofício/vocação de cuidar, guardar, proteger e ensinar.

Seu olhar doce já viu muita gente indo embora, mas nenhuma dessas despedidas a fez fechar o coração, que não cabe no mundo de tão grande, que comporta o mundo, de tão grande.

As mãos firmes nunca param de ajudar. Elas guiam, elas se juntam em oração e percorrem as contas do terço todos os dias. A firmeza, mais que das mãos, é também da fé, da coragem e do caráter.

Essa mulher nunca fugiu da luta, tampouco abriu mão dos seus fardos, às vezes pesados demais pra quem conhece sua estrada.

O nome dela é Lucy Maria de Jesus. Lucy significa luz. E ninguém duvida que ela seja uma das marias cantadas por Milton Nascimento, aliás, ela é o retrato da Maria dessa canção. E para mim, falar de Jesus é falar de amor e paz. Ela é isso tudo. Ela significa isso tudo.

Luz que ilumina e aquece os caminhos sem perder a fé na vida. Fazendo o bem sem olhar a quem.

Uma força que alerta. Uma mulher que merece viver e amar e que, principalmente, ama e vive sempre grata, sempre pronta para servir.

A gente entende melhor as coisas que significam para nós.
Acho que o mesmo acontece com as pessoas que a gente ama.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Revira a volta

Por João Paulo Vieira

Quando criança, fui atacante.
Na chuva, na lama, no asfalto.
Era o primeiro a chegar e o último a sair
Chorava quando, às seis, gritava minha mãe:
- Menino, passa pra dentro!
Odeio jogar na defesa.
Penso que nossos inimigos fartam-se
em bandos e à nossa volta.
Penso na inimizade.
Que é um presente grego,
um exercício de sabedoria,
uma forma de redenção.
Penso que não se joga na defesa.

Para frente, e ao ataque!