quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Eurídice


Por João Paulo Vieira
“Qual mãe, qual pai, qual nada! A beleza da vida és tu, amada!” – Monólogo de Orfeu                                                                           

Porque em todos os caminhos, e na marcha através da morte, e no desprezo da canção e em cada nota que cai da minha harpa fizeste-me teu, Orfeu.
              As tardes sem Eurídice são como um passeio num bosque sem flores. Preciso andar, e acompanhar a brisa, e ouvir o som dos pássaros, mas não há vida nos canteiros. As flores, que outrora me contavam a história de nosso amor à medida que lhes tirava as pétalas, já  não estão lá. Caminho porque a tarde ainda é bela e caminhar é meu destino. Mas sob os meus pés e embaixo do meu travesseiro paira apenas uma nuvem gotejante que não chove porque não tem pressa de se desfazer, passa.
             As noites com Eurídice eram de uma maravilha indescritível. Infinitas como eram, me ocupavam tardes inteiras pensando em como impressioná-la de verdade, fosse com meu olhar desarmado, um beijo enamorado ou só mais um verso recitado em pensamento.  Era a paixão que me tomava e me tirava a lucidez, pairava eu silente, imóvel, insultado pela loucura de olhá-la e preferir a morte que a dissolução daquele laço que já havia se firmado em mim. Eurídice era em cores a imagem que havia em meu coração da felicidade, era a forma mais bela que um dia houve no mundo de um amor sem reservas, tapando-me os ouvidos e insultando-me a razão, fazendo de mim seu capricho, seu início e seu fim. Eurídice era uma dor inerte, que silenciosamente me rasgava o peito e se espalhava. Vê-la era como sentir-me pleno, enquanto sua presença me roubava todo o ar e a imensidão tomava conta e eu só queria olhar-lhe até que os dias se dissolvessem em pó, deixando intacta a imagem adormecida de minha amada.
           Ah, Eurídice. Infindas são as horas agora que passam sem que seu perfume as complemente. Estremeço, e conto os segundos, respiro fundo, vou com a mão ao peito, peço socorro. Tendo perdido o juízo já não preciso de eira ou beira, já não preciso de brilho ou de olhar, já não me incomoda o sono ou a falta de sobriedade. Sem ti, Eurídice, a vida é como o livro da saudade, e sigo colando minhas frustradas tentativas de sucesso em cima da tua imagem, sigo colhendo flores no quintal vizinho pra evitar que teu cheiro, quando vem á noite, me embriague, vivo sofrendo a triste injúria de sobreviver à dor de quem partiu. Depois de ti, amor, sou apenas destroço. Barulho e ingratidão.
           Mas já não há remédio. Mal visto fui na terra dos mortos, e já não há esforço que me recomponha da minha dor. Tua presença usurpou-me, roubou-me o viço. E agora tento recolher em cada canto a confiança que perdi nos teus olhares. Sou pedaço de mim e tenho pressa. Enquanto torturado pela mortalidade, pretendo desfrutar das doses de contentamento que há na vida, do esplendor que é a tua lembrança, da certeza de que era inevitável a mim encontrar-te. Suspiro. E me recordo que foram coloridos nossos caminhos, que ambicionamos ser maiores que o destino e que nossas lágrimas desenharam nossa eternidade.
Meu amor, queria que a tristeza desse asas à bondade, e que  por um dia ou pela eternidade, minha alma pudesse ver-se plena novamente, estonteada pela alegria de tua existência. Mas vai teu caminho. Vai tua vida que estarei contigo.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Da lua, outra vez


Por João Paulo Vieira
Te peço emprestada a lua
Sei que é tua
E não quero lhe roubar
É que a luz agora corta a alma
E a noite anda enamorada
Carece a saudade matar?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Farsa

Por João Paulo Vieira

No sonho estava num elevador. Ele descia devagar e não parava. Não havia nada que sinalizasse em que andar estava e qual era meu destino. Com o tempo fui ficando incomodado. Não havia espelho, câmeras, nada. Procurei por botões, por uma trava de emergência e nada encontrei. Decidi esperar. A situação prosseguiu da mesma forma. Comecei a apalpar a superfície do elevador procurando algo, e acabei machucando um dos dedos, o sangue começou a cobrir o chão. A partir daí, uma angústia enorme tomou conta de mim. Fui repassando minhas memórias, me deixei levar pelo meu fluxo de pensamento, mas de maneira alguma conseguia pensar no que tinha me levado àquela caixa. Minha cabeça começou a doer muito, eu precisava muito sair, pensei até em gritar mas era evidente que ninguém iria me ouvir. Fechei os olhos pra esperar o que estivesse por vir. Segundos depois voltei a mim. Não havia mais paredes, não havia sangue e eu estava livre. Tudo não passava de uma farsa.
               Uma farsa. Como o riso forçado e a defesa do traidor. Como da vez que eu caí de bicicleta e não chorei pra que minha mãe não se zangasse tanto assim. Como no dia em que usei minhas frequentes dores de cabeça a meu favor, para burlar um compromisso chato. Como no dia em que fugi de casa. Me perturbou muito concluir que o medo em que eu estava envolto a tanto tempo era só farsa. Era sarcasmo contra  meu próprio riso, e era a dosagem certa de veneno. Havia me resignado a seguir em frente, sempre, obstinadamente, como um cego que segue seu caminho se apoiando enquanto houver paredes. Mas que diabos faço eu caminhando por um túnel onde não há a possibilidade de nem ao menos me deparar com um alguém mais infeliz que eu pra pedir alento ou um lugar pra repousar? Que faço eu, maltrapilho e miserável andando por essas terras onde a minha palavra não vale mais que a farsa do ator que usa o próprio corpo pra contar a história de um outro, de um terceiro, que tendo arrancado a venda agora amarga a dor de se arrastar com os próprios pés? Sou jovem. E os meus pulmões me imploram todos os dias que abandone o vício e me renda à minha força. Minhas pernas pedem que eu corra o mais longe possível da voz que insiste em me obrigar a remar. Meus olhos faíscam ao reprimir toda essa revolução contida por dentro. E sim, há uma revolução em mim, que luta até seus últimos recursos pra que haja ainda o direito de se jogar e se estrepar e ser um miserável feliz. Farsante, eis que sou. 
E tenho trocado meus instintos por um bocado de sono indulgente. E desconto todo o revés na própria carne, e gero um ciclo de destruição irresponsável enquanto meu organismo rejeita a duras penas o que escolhi chamar de vida. Na busca por culpados, é pra ela que volto toda a minha fúria. Vida. Me tornei rancoroso e já não posso perdoá-la por ser tão sofrível. Tão resignada e cheia de mal cheiro. Não a perdôo por me constranger com lembranças nem por fazer tanta melancolia nas noites quentes. Já não posso perdoar desde que percebi que a vida é toda fel e me tortura todo dia com suas entrelinhas de contentamento. Minhas entranhas doem, procuro me anestesiar de farsa.  Amanhã, ao acordar terei de fingir mais uma vez. Malditas sejam as próximas 24 horas e sua estúpida efemeridade. Maldita seja a eternidade dos instantes de dúvida e desespero. Maldita seja essa limitação que insiste. Já não a perdôo.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A flor de fevereiro



Era doce e acreditava na vida, nas pessoas, no amor que pode todas as coisas. Tentou me ensinar alguma coisa sobre ser de verdade, mesmo quando parecesse melhor não ser. Não da pra entender tudo, mas sem muito esforço dava pra ver que ela era demasiadamente boa, boa demais para esse mundo. Onde tem gente tem maldade e estupidez, mas ela estava sempre lá incansável na busca pelo melhor de cada um. –Todo mundo é bom. E todo mundo merece um voto de confiança. 
Creio que não aprendi essa parte, acho que nunca acreditei nisso. Ainda observo de longe. Ainda uso muitos filtros. O amor é traiçoeiro, é enganador é quase sempre a maior das ilusões. E as ilusões são perigosas como qualquer outra revolta da natureza.
Tomara que um dia eu possa te encontrar de novo. Pelo menos pra dizer do meu amor, todo dia maior. Tomara que eu possa te abraçar e ver seu sorriso, ouvir sua risada. Tomara que a gente tenha todo o tempo do mundo, mas qualquer segundo já servirá. Tomara mãe, que exista um lugar bem bonito e cheio de paz, só pra você. Eu te amo.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

É carnaval, amor!


Por João Paulo Vieira

“Brasil, esquentai vossos pandeiros. Iluminai os terreiros. Que nós queremos sambar.”
Meu quarto tava uma bagunça e eu joguei tudo no chão de modo que as camisas não se misturassem com os livros. Dei dose dupla de ração pros cachorro e botei as plantinha no sol. Deixei as contas pra pagar na quarta porque hoje é sexta de carnaval e chegar atrasado no bloco não presta.
Ninguém precisa ficar na janela pra ver o bloco passar. Porque o carnaval não é sagrado e a alegria não é lei. Mas ai de quem se tranca e se recusa à festividade sem motivo que vem bem no meio do mês, ai de quem arrebita o nariz e diz que não é carnaval, que carnaval é falta de vergonha na cara, que a mulata nua é sem vergonha e que bagunça não é divertido não. Ai de quem não é carnaval, ai de quem não dança. Vem fazer moleza meu povo, que o carnaval não cansa.
Eu saio na rua com minha fantasia e o bloco a me acompanhar. Tô surpreendido pela alegria e parece que a música nunca mais irá parar. O pessoal tá feliz pra caramba, tem gente dançando muito, tem gente que não para de cantar. Parece uma piada, porque é sexta-feira mas cansaço não há. Parece uma mentira porque o Brasil matou o cansaço e até a quarta-feira trabalho duro não há. A gente parou e não há quem vá contestar. A gente decidiu não fazer nada que a gente não queira e não há quem nos impedirá.
E tudo isso é sobre celebrar qualquer coisa que renda uma risada boa, uma conversa à toa, uma história pra contar. É sobre o luxo de remar contra a corrente e todo mundo te ajudar. É conversa de bêbado, mas é quase canção de animar. É o elogio da loucura. O estandarte do sanatório geral vai passar.
Vou juntar minhas coisa num canto, bem quente de preferência, vou caçar um lugar pra festejar. E morrer de calor e de alegria porque já é sexta de carnaval, e eu saio na rua e rio na cara do povo e brinco de ser bobo, porque viver tem dia que é bobo e hoje é sexta de carnaval.