quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Farsa

Por João Paulo Vieira

No sonho estava num elevador. Ele descia devagar e não parava. Não havia nada que sinalizasse em que andar estava e qual era meu destino. Com o tempo fui ficando incomodado. Não havia espelho, câmeras, nada. Procurei por botões, por uma trava de emergência e nada encontrei. Decidi esperar. A situação prosseguiu da mesma forma. Comecei a apalpar a superfície do elevador procurando algo, e acabei machucando um dos dedos, o sangue começou a cobrir o chão. A partir daí, uma angústia enorme tomou conta de mim. Fui repassando minhas memórias, me deixei levar pelo meu fluxo de pensamento, mas de maneira alguma conseguia pensar no que tinha me levado àquela caixa. Minha cabeça começou a doer muito, eu precisava muito sair, pensei até em gritar mas era evidente que ninguém iria me ouvir. Fechei os olhos pra esperar o que estivesse por vir. Segundos depois voltei a mim. Não havia mais paredes, não havia sangue e eu estava livre. Tudo não passava de uma farsa.
               Uma farsa. Como o riso forçado e a defesa do traidor. Como da vez que eu caí de bicicleta e não chorei pra que minha mãe não se zangasse tanto assim. Como no dia em que usei minhas frequentes dores de cabeça a meu favor, para burlar um compromisso chato. Como no dia em que fugi de casa. Me perturbou muito concluir que o medo em que eu estava envolto a tanto tempo era só farsa. Era sarcasmo contra  meu próprio riso, e era a dosagem certa de veneno. Havia me resignado a seguir em frente, sempre, obstinadamente, como um cego que segue seu caminho se apoiando enquanto houver paredes. Mas que diabos faço eu caminhando por um túnel onde não há a possibilidade de nem ao menos me deparar com um alguém mais infeliz que eu pra pedir alento ou um lugar pra repousar? Que faço eu, maltrapilho e miserável andando por essas terras onde a minha palavra não vale mais que a farsa do ator que usa o próprio corpo pra contar a história de um outro, de um terceiro, que tendo arrancado a venda agora amarga a dor de se arrastar com os próprios pés? Sou jovem. E os meus pulmões me imploram todos os dias que abandone o vício e me renda à minha força. Minhas pernas pedem que eu corra o mais longe possível da voz que insiste em me obrigar a remar. Meus olhos faíscam ao reprimir toda essa revolução contida por dentro. E sim, há uma revolução em mim, que luta até seus últimos recursos pra que haja ainda o direito de se jogar e se estrepar e ser um miserável feliz. Farsante, eis que sou. 
E tenho trocado meus instintos por um bocado de sono indulgente. E desconto todo o revés na própria carne, e gero um ciclo de destruição irresponsável enquanto meu organismo rejeita a duras penas o que escolhi chamar de vida. Na busca por culpados, é pra ela que volto toda a minha fúria. Vida. Me tornei rancoroso e já não posso perdoá-la por ser tão sofrível. Tão resignada e cheia de mal cheiro. Não a perdôo por me constranger com lembranças nem por fazer tanta melancolia nas noites quentes. Já não posso perdoar desde que percebi que a vida é toda fel e me tortura todo dia com suas entrelinhas de contentamento. Minhas entranhas doem, procuro me anestesiar de farsa.  Amanhã, ao acordar terei de fingir mais uma vez. Malditas sejam as próximas 24 horas e sua estúpida efemeridade. Maldita seja a eternidade dos instantes de dúvida e desespero. Maldita seja essa limitação que insiste. Já não a perdôo.

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