Por João Paulo Vieira
No sonho estava num elevador. Ele descia devagar e não parava. Não havia nada que sinalizasse em que andar estava e qual era meu destino. Com o tempo fui ficando incomodado. Não havia espelho, câmeras, nada. Procurei por botões, por uma trava de emergência e nada encontrei. Decidi esperar. A situação prosseguiu da mesma forma. Comecei a apalpar a superfície do elevador procurando algo, e acabei machucando um dos dedos, o sangue começou a cobrir o chão. A partir daí, uma angústia enorme tomou conta de mim. Fui repassando minhas memórias, me deixei levar pelo meu fluxo de pensamento, mas de maneira alguma conseguia pensar no que tinha me levado àquela caixa. Minha cabeça começou a doer muito, eu precisava muito sair, pensei até em gritar mas era evidente que ninguém iria me ouvir. Fechei os olhos pra esperar o que estivesse por vir. Segundos depois voltei a mim. Não havia mais paredes, não havia sangue e eu estava livre. Tudo não passava de uma farsa.
Uma farsa. Como o riso forçado e
a defesa do traidor. Como da vez que eu caí de bicicleta e não chorei pra que
minha mãe não se zangasse tanto assim. Como no dia em que usei minhas
frequentes dores de cabeça a meu favor, para burlar um compromisso chato. Como
no dia em que fugi de casa. Me perturbou muito concluir que o medo em que eu
estava envolto a tanto tempo era só farsa. Era sarcasmo contra meu próprio riso, e era a dosagem certa de
veneno. Havia me resignado a seguir em frente, sempre, obstinadamente, como um
cego que segue seu caminho se apoiando enquanto houver paredes. Mas que diabos
faço eu caminhando por um túnel onde não há a possibilidade de nem ao menos me
deparar com um alguém mais infeliz que eu pra pedir alento ou um lugar pra
repousar? Que faço eu, maltrapilho e miserável andando por essas terras onde a
minha palavra não vale mais que a farsa do ator que usa o próprio corpo pra
contar a história de um outro, de um terceiro, que tendo arrancado a venda
agora amarga a dor de se arrastar com os próprios pés? Sou jovem. E os meus
pulmões me imploram todos os dias que abandone o vício e me renda à minha
força. Minhas pernas pedem que eu corra o mais longe possível da voz que
insiste em me obrigar a remar. Meus olhos faíscam ao reprimir toda essa
revolução contida por dentro. E sim, há uma revolução em mim, que luta até seus
últimos recursos pra que haja ainda o direito de se jogar e se estrepar e ser
um miserável feliz. Farsante, eis que sou.
E tenho trocado meus instintos por
um bocado de sono indulgente. E desconto todo o revés na própria carne, e gero
um ciclo de destruição irresponsável enquanto meu organismo rejeita a duras
penas o que escolhi chamar de vida. Na busca por culpados, é pra ela que volto
toda a minha fúria. Vida. Me tornei rancoroso e já não posso perdoá-la por ser
tão sofrível. Tão resignada e cheia de mal cheiro. Não a perdôo por me
constranger com lembranças nem por fazer tanta melancolia nas noites quentes.
Já não posso perdoar desde que percebi que a vida é toda fel e me tortura todo
dia com suas entrelinhas de contentamento.
Minhas entranhas doem, procuro me anestesiar de farsa. Amanhã, ao acordar terei de fingir mais uma vez.
Malditas sejam as próximas 24 horas e sua estúpida efemeridade. Maldita seja a eternidade
dos instantes de dúvida e desespero. Maldita seja essa limitação que insiste.
Já não a perdôo.
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