Por João Paulo Vieira
“Ó pedaço de mim, ó metade arrancada de mim, leva o vulto
teu, que a saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto do filho
que já morreu. Leva o que há de ti, que a saudade dói latejada, é assim como
uma fisgada no membro que já perdi.”
Ópera do Malandro – Chico Buarque
Saudade é um nome genérico que se deu
pra tudo aquilo que a gente sente, sem poder sentir, pensando no que não tem
mais. Saudade é o nome que se deu pra todas aquelas noites em claro, e aquele
excesso de energia misturado com uma angústia que dói no peito. Saudade
geralmente tem nome e endereço, e é por isso que essa saudade, que a gente
julga conhecer tão bem e tanto evoca, não deveria se chamar saudade. Porque a
saudade de quem está vivo é um tormento, mas não se compara à saudade de quem
já se foi. Essa saudade, que se
restringe a um misto de nostalgia e esperança, é mais que só saudade. É quase amor.
Esquecer é talvez um dos maiores
desafios da mente humana. Apagar uma ideia, uma lembrança, ou milhares delas.
Apagar imagens, mensagens, sentimentos. Apagar sentimentos é quase impossível.
Porque sentimentos não têm forma, e não deveriam ter nome, já que manifestam-se
a cada qual de uma maneira diferente. Sentimentos não morrem, mas assumem a
forma que a circunstância permite. Pois bem. Esquecer é humanamente
improvável. É possível arranjar milhões
de argumentos, pretextos e até mesmo mentiras que justifiquem o pensamento. Mas
não há sequer uma palavra que justifique o não-pensamento. O vazio de ideias, a
ignorância plena. Certamente que seria mais fácil se houvesse uma maneira de
suplantar a ideia que não deveria estar rondando a mente. Mas não há. E quanto
maior a teimosia em esquecer uma coisa, mais nítida fica a sua sombra, mais enraizada vai ficando a ideia. Vai
criando vida própria, encorpando, pra virar sabe-se Deus o quê. E é por isso que a melhor forma de escapar da
saudade talvez seja encarando-a. Olhando bem no fundo daquela lembrança que já
não pode ser esquecida. Porque se não pode ser apagada, talvez possa ser guardada,
nalgum lugar onde não seja tão visível. E convenhamos, boas recordações não
foram feitas pra serem borradas nem de sangue, nem de lágrimas. Foram feitas
pra serem devidamente arquivadas, como fotografias. Depois de um tempo, aquela
imagem do passado vai ficando velha e de tanto ser observada vai perdendo o
viço, e se tornando realmente apenas uma fotografia. Eis a alegria e a tristeza
do fim de uma saudade. Enquanto existe, castiga o peito com a marca da
felicidade que se perdeu. Depois de inerte, vira só um rabisco no fundo da
alma, que talvez não seja capaz nem mesmo de arrancar um tímido sorriso
amarelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário