sábado, 9 de junho de 2012

Chega de Saudade


Por João Paulo Vieira

“Ó pedaço de mim, ó metade arrancada de mim, leva o vulto teu, que a saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu. Leva o que há de ti, que a saudade dói latejada, é assim como uma fisgada no membro que já perdi.”
Ópera do Malandro – Chico Buarque

Saudade é um nome genérico que se deu pra tudo aquilo que a gente sente, sem poder sentir, pensando no que não tem mais. Saudade é o nome que se deu pra todas aquelas noites em claro, e aquele excesso de energia misturado com uma angústia que dói no peito. Saudade geralmente tem nome e endereço, e é por isso que essa saudade, que a gente julga conhecer tão bem e tanto evoca, não deveria se chamar saudade. Porque a saudade de quem está vivo é um tormento, mas não se compara à saudade de quem já se foi.  Essa saudade, que se restringe a um misto de nostalgia e esperança, é mais que só saudade.  É quase amor.
Esquecer é talvez um dos maiores desafios da mente humana. Apagar uma ideia, uma lembrança, ou milhares delas. Apagar imagens, mensagens, sentimentos. Apagar sentimentos é quase impossível. Porque sentimentos não têm forma, e não deveriam ter nome, já que manifestam-se a cada qual de uma maneira diferente. Sentimentos não morrem, mas assumem a forma que a circunstância permite. Pois bem. Esquecer é humanamente improvável.  É possível arranjar milhões de argumentos, pretextos e até mesmo mentiras que justifiquem o pensamento. Mas não há sequer uma palavra que justifique o não-pensamento. O vazio de ideias, a ignorância plena. Certamente que seria mais fácil se houvesse uma maneira de suplantar a ideia que não deveria estar rondando a mente. Mas não há. E quanto maior a teimosia em esquecer uma coisa, mais nítida fica a sua sombra,  mais enraizada vai ficando a ideia. Vai criando vida própria, encorpando, pra virar sabe-se Deus o quê.  E é por isso que a melhor forma de escapar da saudade talvez seja encarando-a. Olhando bem no fundo daquela lembrança que já não pode ser esquecida. Porque se não pode ser apagada, talvez possa ser guardada, nalgum lugar onde não seja tão visível. E convenhamos, boas recordações não foram feitas pra serem borradas nem de sangue, nem de lágrimas. Foram feitas pra serem devidamente arquivadas, como fotografias. Depois de um tempo, aquela imagem do passado vai ficando velha e de tanto ser observada vai perdendo o viço, e se tornando realmente apenas uma fotografia. Eis a alegria e a tristeza do fim de uma saudade. Enquanto existe, castiga o peito com a marca da felicidade que se perdeu. Depois de inerte, vira só um rabisco no fundo da alma, que talvez não seja capaz nem mesmo de arrancar um tímido sorriso amarelo. 

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