sábado, 16 de junho de 2012

Um dia bom


Por João Paulo Vieira

Hoje quando pus os pés pra fora da cama percebi que havia algo diferente. Estava mais frio que o normal, mas não era só isso. Abri as janelas, pra deixar o ar circular e foi diferente. Eu sentia minhas mãos quentes, de um calor aconchegante, e de alguma forma aquele calor me percorria inteiro, e eu sentia algo estranho no peito. Mas eu estava bem. Que diabos será isso? Pensei. Não há dor de cabeça, nem ossos doendo, e eu ainda nem me lembrei de que já perdi a hora dos remédios. Devia haver alguma coisa errada.
Quando cheguei no escritório  concluí que havia realmente algo muito diferente. As pessoas sorriam. Sorriam muito, como se fosse feriado, ou como se o chefe não estivesse por ali no momento. E o pior, as pessoas sorriam conversando com o chefe. A moça que faz o café flertava com o cara da máquina de cópias. E havia duas mulheres se abraçando, mas não era aniversário de ninguém, não tinha ninguém morrendo, casando ou se separando. Não havia motivo pra abraço. Me irritei profundamente. Porque eu não conseguia entender a razão daquilo tudo. Um dia bom.
Coloquei minhas coisas no lugar e fui até a mesa do homenzinho dos Recursos Humanos. Porque ele ia saber me explicar o que estava acontecendo naquele lugar. Porque ele era velho e cético demais pra perder tempo com bobagens. Ao me aproximar, ele disse “Bom dia” e eu disse “Bom dia”. E nós conversamos. Cordialmente. Como dois velhos amigos. Ele me perguntou sobre os remédios e sobre a minha dor na coluna. Contei pra ele sobre minha possível cirurgia. Ele disse que esperava que tudo se resolvesse, e que a dor cessasse, porque ninguém merece sentir dor a vida inteira. Porque a dor devia ser uma coisa que dá e passa. Eu disse que concordava, apertei sua mão e dei-lhe as costas. Voltei pra minha mesa convencido de que o problema era eu, estava em mim, e que eu teria que me contentar com aquela alegria, que a essa altura já vinha me atingir.
Terminado o expediente, e aquele contentamento que pra mim sentido algum fazia, tomei um táxi pra casa. Mas taxistas tem mania de querer saber da vida, e de como foi seu dia. Disse que tinha sido bom. E me espantei com as palavras que saíam da minha boca. Porque minha resposta é sempre essa. Sempre digo que estou bem, foi bom, muito bom às vezes. A alegria a ninguém interessa, e isso encerra a conversa, e quando digo que estou mal me enchem com meia dúzia de porquês e poréns. Mas naquele dia eu estava bem de verdade. E agradeço a Deus por não interessar a ninguém a alegria, porque eu não seria capaz de me explicar.
Ela me ligou naquele dia, à noite. E me visitou também. Tomamos um vinho. E assistimos um dos nossos filmes favoritos. Contamos piada, jogamos cartas. Mas eu continuava incomodado com aquela alegria, que insistia em me presentear. Aquela sensação de paz, que há tempo eu não sentia. Aquela sensação, que deixa as noites menos solitárias e os dias menos hostis. Já não eram tão desinteressantes as pessoas, e eu já tinha paciência pra tratar dos meus problemas que deixei escondido, faz tempo. Mas eu ainda não sabia como lidar com aquilo tudo.  Porque eu já havia aprendido a lidar com a dor. Eu já sabia suportá-la. Eu já não tinha mais medo. Até que ela me abandonou.

Um comentário:

  1. Dores são diferentes, mas nada supera a dor de abandono.
    Ótimo texto! Tô adorando esse blog hein

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