Por João Paulo Vieira
“Encarar a vida pela frente... Sempre...
Encarar a vida pela frente, e vê-la como ela é... Por fim, entendê-la e amá-la
pelo que ela é... E depois deixá-la seguir... Sempre os anos entre nós, sempre
os anos... Sempre o amor... Sempre a razão... Sempre o tempo... Sempre... As
horas.”
Virgínia Woolf
Parado estou enquanto as horas
passam. Nos olhamos face a face, e tento traduzir em pensamento a crueldade com
a qual me enfrenta a tarde inteira. Está quente e não posso me mover. Meus
pensamentos gritam, minha cabeça dói. A medida que as ideias tomam corpo posso
ver nitidamente que não há tempo. Vou lutar como um louco e no fim das contas
não ter havido tempo, nunca. E as horas passam, velozes. Passam com autoridade,
ironia. E eu morro um pouco a cada hora. E eu me recuso a morrer.
Só. E é estonteante ver como uma
palavra tão curta, que desenha o mais vazio do ser pode dizer tanta coisa. Só,
acompanhando a beleza da tarde se desfazer na feiúra do grito meu, do grito
silencioso, do murmúrio daquele que assassinou a tarde. Não há banho de mar,
não há fotografia, não. Há uma dor. Que persegue todo aquele que tenta por um
instante desafiar o tempo ou o espaço. Não há fuga. E o que há? Há essa
imensidão. Milhões de corpos flutuando sob cabeças falantes. Que esperneiam seu
direito de viver. Que cospem conselhos fúteis, ideias pré-moldadas,
felicitações por um mundo melhor. E há esse desejo em mim de fazer com que tudo
seja diferente e pintar um quadro como aquele que vi há um tempo atrás, colocar
a vida em exposição. Olho atento para todos os lados, analiso as variáveis.
Bobagem. Não há mudança, nem novidade. Há esse ar parado que invade a sala sob
a forma de raios de luz. Há essa luz, pálida que timidamente nos absorve. Há o
sono que mais uma vez me impede que me mexa. Paz não há.
Mas há sempre aquela hora do dia
quando os espíritos bons falam mais alto. E caminhos desenham-se à minha
frente. São ideias simples, que pareciam idiotas outrora, mas que naquele
momento tomam a forma brilhante que têm as vãs esperanças. Penso não estar mais
só. E milhões de sorrisos invadem a sala, me fazem companhia. As pessoas
conversam calmamente, nas situações de alegria e contentamento que eu crio
nessas horas. E é inebriante a ausência do passado, que nessas horas se desfaz.
Não há lembranças, nem rostos pra nos massacrar. E nessas horas somos felizes,
no plural.
Pois eis que a noite vem. Cruel.
Porque a noite meus caros, é a consciência do dia. Teu juízo final, é quando
inevitavelmente ao colocar a cabeça no travesseiro a alma pesa. E não há quem durma
em paz quando o coração aflige. Não há quem durma em paz quando nem o sono é
fuga, quando nem em sonho se pode fantasiar o que há de bom. Inútil dormir, a
dor não passa. Desafia a noite a enxugar teus olhos, enfrenta a noite. E sente
o amargo da dor, assim como é. Porque é nessas horas, exatamente nessas horas
que a miséria mostra como é terna sua companhia. Que ser infeliz não é mazela,
mas sim a negação da solidão. Porque enquanto sozinhos, estamos sós. Mas quando
infelizes, somos todos juntos. E a infelicidade não suporta a solidão.