Por João Paulo Vieira
Desci
pra ir ao banco pensando comigo qual seria a melhor estratégia para passar
confortavelmente e sem estresse pelo detector de metais. Concluí que o melhor a
se fazer era mesmo o de sempre: guardar tudo possível na mochila e deixa-la
naqueles armarinhos que ficam na porta. Passo só com o livro, que já está na
mochila, pelo maldito detector. Feito isso, só precisaria sobreviver ao tédio
das horas subsequentes.
Odeio
ir ao banco. Na verdade é um daqueles ódios controversos, quando você ainda
consegue enxergar algo de bom numa situação ridícula. Vez ou outra acontece
algo memorável. Hoje, por exemplo, sentei-me ao lado de uma velha senhora,
provavelmente saída de algum livro ambientado nos anos 20. Tinha os cabelos
muito brancos e curtos, na altura da orelha, numa espécie de chanel
desconcertado. Usava um vestido lilás muito elegante e brincos de pérola. Antes
mesmo de terminar a primeira página da minha leitura fui interrompido por uma
súbita frase da senhora: “Você deveria parar de fumar.” Fiquei num misto de
espanto e maravilha! Como podia aquela senhora, que eu nunca vi na vida, falar tão
confiante algo que eu provavelmente precisava ouvir, mesmo não sendo de forma
alguma do seu interesse? Nem tinha fumado então não foi meu cheiro a me
denunciar. Respondi que sim, que deveria. Que não parava porque minha ansiedade
me deixa estupido. Ela pegou na minha mão e disse: “Não me leve a mal, mas isso
vai te matar. Acredito que na vida as vezes tudo parece não fazer sentido
porque na realidade não faz. Só não tente buscar respostas onde você já sabe
que elas não existem. O cigarro pode ferrar seus pulmões. A desesperança pode
matar a sua alma.” Fiquei petrificado. Ela falava serenamente, com o olhar fixo
e ao mesmo tempo doce, falou pra dentro de mim. Olhei pra ela e respondi que
talvez aquelas fossem exatamente as palavras que eu queria ouvir. Sozinho, nos
meus pensamentos, encontro sensações que me anulam e me enchem de um silencio doentio.
Aquela mulher, que com as suas palavras invadiu meus segredos, era um alívio
para a minha solidão. Ela sorriu e disse que queria muito que as coisas fossem tão
simples quanto o nosso desejo de plenitude. “Amargar o que não se fez, chorar a
morte da ideia que, florida, se foi porque aqueceu o coração antes mesmo de
existir. Também estou presa, meu bem. E cumpro a duras penas minha sina. Tenho
cicatrizes que não me deixam esconder. Tenho rugas que me denunciam todo o luto
que eu já revirei. Mas é que a beleza existe. Escondida, em todos os cantos. Se
não fosse a beleza eu não poderia mais viver.” Aquelas palavras já doíam meus
ouvidos. Podia mesmo eu estar sendo abordado na fila do banco pela minha
própria consciência? A senha dela foi chamada. Se despediu com as seguintes
palavras: “Não tente mais ver o que não te mostram seus olhos.”
Gastei
o dia todo remoendo aquelas palavras. Tive um daqueles dias quando não se tem
lugar no mundo, o sol está quente, a sombra está fria, e onde quer que se vá o
grande desejo de sair de si próprio te impede de conseguir respirar. Encontrei
uns amigos e engoli meu ar triste. Engoli os pensamentos que me descabelavam e
minha falta de paz. Decidi assumir, naquele momento, que a ausência da beleza
era apenas o estágio imediatamente anterior à plenitude. Chorei lágrimas secas
e vi que estava sendo ingênuo ao cultivar com tanto afinco o meu
descontentamento. Fechei os olhos e pensei no momento em que a senhora da fila
do banco pegou minhas mãos e tão carinhosamente olhou dentro dos meus medos.
Suas mãos eram quentes, como quando se é feliz nos sonhos.